Reflexões sobre cultura de integridade e ESG no futebol

POR/ENG

By Roberta Codignoto 

Consultor de Compliance e Integridade e voluntário em iniciativas de promoção da integridade

Compliance and Integrity Consultant and volunteer in integrity promotion initiatives

Como esperar resultados diferentes se seguimos fazendo as mesmas coisas, não é mesmo? 

Há tempos que escuto as mesmas críticas: as entidades esportivas precisam de governança, o futebol precisa de gestão profissional, precisa maior participação feminina, etc… 

No entanto, como esperamos mudar algo se não propusermos mudanças significativas ou se seguimos investindo no mesmo modelo de décadas? Foi justamente a experiência de trabalhar na implantação de um programa de integridade para um grande clube de futebol que me trouxe várias reflexões sobre esse esporte tão querido. 

Para que a bola role no campo, e um time seja campeão, há tantas etapas que precisam ser desenvolvidas, e esse é o resultado final de um grande processo. Entretanto, é a vitória que, atualmente, acaba por definir muitas coisas como os contratos e patrocínios, os prêmios aos jogadores, além da visibilidade e do fortalecimento da marca.

E será que, pela vitória do time, vale qualquer coisa então? 

A tentação de se fazer um pequeno ajuste para fechar um contrato ou de um leve desvio na regra, para atingir a vitória, pode significar uma fraude ou a infração de uma lei ou regra de jogo.  Além dos prejuízos financeiros que podem ser ocasionados, há também as consequências legais e jurídicas, bem como os temas reputacionais.  

Vimos, com muita tristeza, os episódios de manipulação de resultados que mancharam a reputação de clubes e de atletas, justamente quebrando a grandeza da competição.  Aquilo que deveria ser uma conquista por desempenho de jogadores e técnicos, por sua capacidade e por todo treinamento para uma excelente partida, vira um episódio lamentável de interesses privados que são colocados acima dos da instituição. 

Isso sem falarmos dos conflitos de interesses de gestores e profissionais, infelizmente tão presentes nos modelos tradicionais, que parecem não compreenderem como um fato grave ou terem se acostumado a colocar seus interesses pessoais em meio às decisões e escolhas de parceiros de negócios. 

Portanto, diante de mazelas assim é que precisamos avançar com as mudanças na forma como entidades esportivas fazem sua gestão.

Só que fazer a conexão das boas práticas corporativas com a forma como algumas entidades são geridas, e com a pressão por resultado, não é tarefa fácil para um profissional de compliance. 

Significa dizer então, que gestores e dirigentes são mal intencionados?  

Bem, sou uma grande defensora da educação e da criação de cultura, dando primeiramente o benefício da dúvida para aqueles que ainda não conhecem o compliance. 

Quando conseguimos demonstrar que um sistema de integridade, com boas ferramentas para os gestores, é capaz de reduzir riscos que afetam o recurso necessário para trazer os melhores talentos, bem como para dar a eles mais insumos para jogarem cada vez melhor, começamos a demonstrar que compliance não é só feito de comandos e de “nãos”. 

Adicionalmente, quando demonstramos que é possível conectar todas as dimensões do ESG com a gestão do clube, pois o futebol tem um potencial incrível para gerar impactos econômicos e sociais, o que é muito relevante para patrocinadores, fortalecemos os argumentos para uma mudança de entendimento sobre ter ou não um programa de integridade.  

Os recursos de um clube não caem de árvores, assim como para qualquer organização.  E não olhar para o potencial que os pilares ESG podem trazer para a entidade, pode significar perder uma excelente oportunidade de trazer mais recursos e atrair grandes patrocinadores. Vejamos. 

Comecemos pelo G. Quando aprimoramos a governança, reduzimos significativamente os riscos de perdas, pois fortalecemos o processo de tomada de decisão.  Entender os impactos de uma decisão, e tomá-la de forma consciente ou até mesmo de forma compartilhada, é uma importante ferramenta para qualquer gestor. 

E o S parece um pouco óbvio, que é o cuidado com as pessoas.  Mas ele é muito maior quando falamos de um esporte tão amado.  Cada clube tem milhares de stakeholders, considerando para além de seus fãs, seus colaboradores, atletas, fornecedores e parceiros comerciais, até mesmo a sociedade em seu entorno, e suas ações podem causar impactos positivos ou negativos.  

Um exemplo disso é o que temos visto nos últimos anos, através de impactantes iniciativas em dias de jogos, chamando atenção da sociedade para o combate à discriminação, ao racismo e à violência contra a mulher. Imaginemos um jovem que seja tocado sobre mudar seu comportamento com sua namorada, pois seu ídolo jogador falou que era inaceitável esse tipo de violência.  Agora multipliquemos por milhares de jovens e adultos que podem ser impactados da mesma forma e teremos uma real noção da proporção que uma ação em campo pode atingir.  

E compreendo que ainda é difícil para um clube de futebol entender a dimensão do E em suas atividades. No entanto, é muito mais simples do que parece.  

Um estádio é quase uma cidade em termos de operação, pois além das atividades normais necessárias ao esporte em si, há uma estrutura comercial para atender seus usuários e a demanda em dias de jogos.  Agora, imagine o consumo de água e energia elétrica desses locais, que aumenta significativamente em dias de jogos, e a geração de lixo, não somente dentro do estádio, como também nas ruas do entorno...  Sem contar no corte da grama que gera toneladas semanalmente e precisa de transporte e de descarte adequado.  

Através de um projeto de gestão ambiental, um clube pode tanto reduzir os custos operacionais, como seu impacto no meio ambiente, ou ainda atrair recursos através de logística reversa de materiais que podem ser reciclados, ou mesmo do corte de grama, por exemplo.

Não se pode ignorar o fato de que grandes patrocinadores, em sua maioria, buscam iniciativas para seus relatórios de sustentabilidade, ainda mais quando já são empresas com uma governança fortalecida, ou quando são listados ou signatários do Pacto Global da ONU por exemplo. Dessa forma, o interesse em patrocinar clubes que incorporem essas práticas é ainda maior. 

Portanto, não é só de dificuldades que vive um profissional que pretende trabalhar com compliance em um clube de futebol, e esses pontos devem ser destacados, uma vez que auxiliam em muito a construção de um programa:

  • Os colaboradores são também torcedores. Aquela máxima de “vestir a camisa”, é realmente aplicada na prática.

  • A abrangência das ações promovidas é maior, uma vez que além dos colaboradores, algumas ações impactam a sociedade como um todo, como inúmeras ações positivas que vimos sendo replicadas, tais como combate às violências sexuais, racismo e discriminação, campanhas pelo fim da violência nos estádios, entre outras. 

Portanto, o futebol é ESG e tem tudo para ser um grande disseminador de boas práticas para dentro e para fora dos estádios, além de poder gerar e reduzir custos. 

Mas, como questionei inicialmente, como vamos mudar algo se seguimos fazendo da mesma forma?  Como convencer gestores e presidentes de que não é custo implantar uma área de compliance?  Ou que ter um programa ambiental não é algo desconectado do futebol e não se deveria “perder tempo” com isso? 

Para responder essas questões, temos que saber quem são as cabeças pensantes dessas organizações.  

É sabido que temos um público majoritamente masculino.  Fato.  E contra fatos não há argumentos.   

E se a maioria do topo é representada por homens, se todas as vozes são uníssonas, como provocar essas reflexões necessárias para a construção de uma cultura de integridade, ou de que se pode fazer diferente, se todos pensarem igual?

Por essa e por outras razões que precisamos ter um equilíbrio de gênero e diversidade no futebol, com cabeças que pensam diferente para contraporem ideias e trazerem novas visões.   

E quando falamos de equilíbrio de gênero, não significa dizer que mulheres são mais íntegras que homens, mas sim de trazer diversidade de ideias, equilíbrio e ponderação reduzindo riscos na tomada de decisão, estimulando o questionamento propositivo.  

Além disso, podem contribuir não somente com pluralidade de pensamento e de perspectiva, mas com suas experiências de vida, promovendo um clima organizacional mais colaborativo e um ambiente de trabalho empático.  Essa diversidade estimula que decisões sejam mais abrangentes e ponderadas, portanto, mais eficazes.

Sendo assim, precisamos urgentemente fomentar essa discussão para dar aos dirigentes outras perspectivas sobre a gestão das entidades, para que tenham conhecimento de novas ferramentas que possam garantir a criação de uma cultura de integridade, fortalecida com a diversidade e o empoderamento feminino.  

Buscar engajamento com ações coletivas, através de entidades que já promovem esse debate, tais como a Sports Integrity Global Alliance, ou ainda, estabelecer benchmarking com clubes que já iniciaram o processo de aprimoramento de sua governança, pode ser um começo para profissionais que pretendem iniciar essas discussões em suas entidades.  Além disso, há uma série de eventos sobre integridade no esporte e muitas publicações a esse respeito.   

Para aquelas entidades que não têm muitos recursos, investir na formação em compliance para talentos internos, como profissionais do jurídico, financeiro ou do RH, pode ser uma forma de iniciar a construção de um programa.  Ou, caso tenha recursos, buscar uma consultoria especializada é recomendado, para iniciar um processo de gestão de riscos e compreender como um programa de compliance e integridade poderia ajudar a mitigá-los, além de oportunidades de redução de custos, como mencionado anteriormente.

Resumindo, há diversas oportunidades e ferramentas disponíveis!  E, ao promover esse ambiente de boa governança, aliada à inclusão, respeito e acolhimento, podemos fazer diferente para alcançar o resultado que tanto queremos:  times campeões, dentro e fora de campo!


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Reflections on Integrity Culture and ESG in Football


How can we expect different results if we keep doing the same things, right? For a long time, I have heard the same criticisms: sports organisations need governance, football needs professional management, greater female participation, etc.

However, how do we expect anything to change if we don't propose significant changes or if we keep investing in the same decades-old model? It was precisely the experience of working on the implementation of an integrity programme for a major football club that brought me many reflections on this beloved sport.

For the ball to roll on the field and a team to become a champion, many stages need to be developed, and this is the final result of a long process. However, victory currently defines many things, such as contracts and sponsorships, player awards, and visibility and brand strengthening.

But does a team's victory justify anything?

The temptation to make a small adjustment to close a contract or a slight deviation from the rules to achieve victory can mean fraud or violating a law or game rule. In addition to the financial losses that may result, there are also legal and reputational consequences.

We have sadly seen episodes of match-fixing that tarnished the reputations of clubs and athletes, breaking the grandeur of the competition. What should be an achievement based on the performance of players and coaches, their abilities, and all the training for an excellent match, turns into a regrettable episode of private interests being placed above those of the institution.

Not to mention the conflicts of interest involving managers and professionals, unfortunately so present in traditional models, who seem not to understand the severity of such issues or have become accustomed to placing their personal interests in the midst of business decisions and choices.

Therefore, in the face of such challenges, we need to advance changes in how sports organisations are managed.

However, connecting good corporate practices with the way some entities are managed, combined with the pressure for results, is not an easy task for a compliance professional.

Does this mean that managers and directors have bad intentions?

Well, I am a strong advocate for education and the creation of a culture, first giving the benefit of the doubt to those who are not yet familiar with compliance.

When we can demonstrate that an integrity system, with good tools for managers, can reduce risks affecting the resources needed to bring in top talent and provide them with more resources to play better, we begin to show that compliance is not just about commands and "no's".

Additionally, when we demonstrate that it is possible to connect all dimensions of ESG with club management, since football has incredible potential to generate economic and social impacts, which is very relevant to sponsors, we strengthen the arguments for changing the understanding of whether or not to have an integrity programme.

The resources of a club don't grow on trees, just like for any organisation. Failing to recognise the potential that ESG pillars can bring to the entity could mean missing out on an excellent opportunity to bring in more resources and attract major sponsors. Let's take a look.

Let's start with the G. When we improve governance, we significantly reduce the risk of losses because we strengthen the decision-making process. Understanding the impacts of a decision and making it consciously or even collectively is an important tool for any manager.

And the S seems a bit obvious, which is the care for people. But it is much more significant when we talk about such a beloved sport. Each club has thousands of stakeholders, considering not only their fans but also their employees, athletes, suppliers, and business partners, as well as the surrounding community, and their actions can have positive or negative impacts.

An example of this is what we've seen in recent years through impactful initiatives on game days, drawing society's attention to the fight against discrimination, racism, and violence against women. Imagine a young person who is moved to change his behaviour with his girlfriend because his idol, a player, said that such violence is unacceptable. Now multiply that by thousands of young people and adults who can be impacted in the same way, and you'll have a real sense of the scale that an on-field action can reach.

And I understand that it's still difficult for a football club to grasp the scope of the E in its activities. However, it's much simpler than it seems.

A stadium is almost like a city in terms of operation, as in addition to the normal activities required for the sport itself, there is a commercial structure to serve its users and the demand on game days. Now, imagine the water and electricity consumption of these venues, which increases significantly on game days, and the waste generated, not only inside the stadium but also in the surrounding streets... Not to mention the grass cutting, which generates tons of waste weekly and needs to be transported and disposed of properly.

Through an environmental management project, a club can both reduce operational costs and its environmental impact, or even attract resources through the reverse logistics of materials that can be recycled, or even from grass cutting, for example.

It cannot be ignored that major sponsors, for the most part, seek initiatives for their sustainability reports, especially when they are already companies with strong governance or when they are listed or signatories of the UN Global Compact, for example. Thus, the interest in sponsoring clubs that incorporate these practices is even greater.

Therefore, it's not only challenges that a professional aiming to work with compliance in a football club faces and these topics should be highlighted as they greatly aid in building a programme:

  • Employees are also fans. The adage of "wearing the shirt" is truly applied in practice.

  • The reach of the promoted actions is broader, as some actions impact society as a whole, such as numerous positive actions we have seen replicated, such as combating sexual violence, racism and discrimination, and campaigns to end violence in stadiums, among others.

Therefore, football is ESG and has everything to be a great disseminator of good practices both inside and outside the stadiums, as well as being able to generate and reduce costs.

But as I initially questioned, how will we change anything if we keep doing things the same way? How can we convince managers and presidents that implementing a compliance department is not cost-effective? Or that having an environmental program is not something disconnected from football and that we should not “waste time” on it?

To answer these questions, we have to know who are the thinkers in these organisations.

It is known that we have a predominantly male audience. Fact. And against facts, there are no arguments.

And if the majority at the top are men, if all voices are in unison, how do we provoke the necessary reflections for building a culture of integrity or doing things differently if everyone thinks the same?

For this and other reasons, we need to have a balance of gender and diversity in football, with different minds to counter ideas and bring new visions. When we talk about gender balance, it doesn't mean that women are more honest than men, but rather bringing a diversity of ideas, balance, and consideration, reducing risks in decision-making and encouraging constructive questioning.

Furthermore, they can contribute not only with a plurality of thoughts and perspectives but also with their life experiences, promoting a more collaborative organisational climate and an empathetic work environment. This diversity encourages more comprehensive and considered decisions, thus being more effective.

Therefore, we urgently need to foster this discussion to give directors new perspectives on managing sports entities, so they become aware of new tools that can ensure the creation of an integrity culture, strengthened with diversity and female empowerment.

Engaging in collective actions through organisations that already promote this discussion, such as the Sports Integrity Global Alliance, or establishing benchmarks with clubs that have already started the process of improving their governance can be a starting point for professionals looking to initiate these discussions within their entities. Additionally, there are a number of events on sports integrity and many publications on the topic.

For entities with limited resources, investing in compliance training for internal talent, such as legal, financial, or HR professionals, can be a way to begin building a programme. Alternatively, if resources are available, seeking specialised consultancy is recommended to start a risk management process and understand how a compliance and integrity programme could help mitigate risks, as well as provide cost reduction opportunities, as previously mentioned.

In short, there are several opportunities and tools available! And by promoting this environment of good governance, combined with inclusion, respect, and acceptance, we can do things differently to achieve the result we all desire: champion teams, on and off the field!


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